Um conto chinês, escrito e dirigido por Sebastián
Borensztein. Roberto (Ricardo Darin) é um homem solitário, vivendo em sua toca protegida,
impenetrável, longe do mundo para ele incompreensível, insensível e hostil. Roberto
coleciona notícias bizarras publicadas nos jornais e revistas que lhe caem nas
mãos. Roberto fala desolado diante do seu mais recente problema, Jun, o chinês
(Ignacio Huang) que apareceu para perturbar sua metódica rotina. “A vida não
faz nenhum sentido. Como fui me meter nesta enrascada?”. Jun é o elo inexorável
desta grande rede de relações, de atitudes e consequências, ações e reações.
Um exercício de roteiro
Dos filmes bacanas que assisto, numa sala de cinema ou em casa, sempre me pego fazendo um exercício de roteiro - extrair a cena que revela a história do filme, a cena chave. É um exercício de concisão que compartilho com os amigos amantes de cinema e de roteiro, mais particularmente. Aqui não há adjetivos, descrições, muito menos o final da história. Você poderá, eventualmente, ouvir a voz dos personagens ao ler o trecho de uma fala ou outra. Assitindo ao filme você poderá concordar comigo ou não, se a cena que escolhi é mesmo a cena chave, afinal as boas histórias podem ser entendidas de diferentes maneiras. Todavia, uma coisa eu garanto: você terá mais da experiência cinematográfica, compreendendo melhor os enredos.
Acompanhe Cena chave e bom filme!
Acompanhe Cena chave e bom filme!
Meia-Noite em Paris
Meia-noite em Paris, escrito e dirigido por Woody Allen. Quem muito se volta para o passado não lida bem com o presente. Gil Penders (Owen Wilson) é um roteirista obscuro, leitor apaixonado e aspirante a escritor, um espectador entediado com o presente e extasiado como o passado, na sua visão idealizada dos grandes expoentes da literatura, pintura, música, cinema e fotografia. Salvador Dalí o chama para sentar-se à mesa e pergunta se ele já viu um rinoceronte. Sentam-se também o cineasta Buñuel e o fotógrafo Man Ray. Gil lhes fala sobre a sua situação complexa, noivo de uma garota no presente de 2010 e apaixonado por outra que acaba de conhecer no passado de 1920. Buñuel acha que a história daria um filme, Man Ray, uma bela foto, e Dalí, um lindo rinoceronte. Para os surrealistas, aquela situação é completamente real. Em seu delírio algo esquizofrênico, Gil busca aprovação e a obtém plenamente. Ele se dá bem com todos, é reconhecido como um igual aos que se tornaram ícones, chega a brincar com Buñuel, passando uma dica para um filme que o próprio não compreende bem, ou ainda não, pois Gil Penders, o obscuro roteirista aspirante a escritor ao contrário do grande cineasta espanhol, está condenado ao anonimato. No seu delírio de grandeza, seria sua a semente que germinaria para um clássico do Cinema. Mas Gil Penders está em conflito, não deixa ninguém ler seu romance de estreia que há anos vem escrevendo, até sua decisão de casar e viver nos EUA lhe parece incompatível, estando em Paris, no lugar em que tudo aconteceu, e está de certa forma preservado, como pode ser visto no início nas cenas de cartão-postal. Paris é uma cidade-cenário. O passado é assim, sempre tão melhor, bonito, agradável — a musa de Pablo Picasso, Adriane (Marion Cotillard) repete Gil, quer viver na Bella Époque, os anos 20 lhe parecem tão aborrecidos. Contudo, é no presente que as questões podem ser resolvidas, mesmo sendo tão incompleto, insatisfatório no todo, porque em partes, o presente pode até ser interessante, como a dona do antiquário e seus discos de Cole Porter. Gil Penders retorna ao presente, afinal, é nele que chove e deixa Paris ainda mais bela.
Minhas tardes com Margueritte
Minhas tardes com Margueritte, de Jean Becker, escrito por ele e Jean-Loup Dabadie, baseado no livro La Tête en Friche, de Marie-Sabine Roger. Sempre no mesmo banco de praça, a senhora Marguerittte (Gisèle Casadesus) lê para Germain (Gérard Depardieu). Desta vez, o livro é A Peste, de Albert Camus. Germain se impressiona com a cena dos ratos tomando conta de tudo. Margueritte diz a Germain que ela é fruto de uma história de amor, ele se considera o fruto de um erro. Germain é lento, tosco, desajeitado, mas ao lado de Marguerittte fica manso como um filhote de barriga cheia, embalado pelas palavras suaves e açucaradas da elegante e frágil senhora, ele experimenta sensações e emoções únicas, formando na mente imagens tão nítidas, imagens da sua imaginação excitada pelas palavras a partir da leitura em voz alta. “Você é um ótimo leitor, Germain, tem uma memória auditiva extraordinária!” Ao que ele responde: “Só falei porque me veio à cabeça!”. Ao prestar ouvidos à leitura, Germain reescreve a história, apropria-se do texto, acrescenta nuances, contrastes, outros elementos, somando tudo isso à sua experiência emocional. Quem gosta de leitura vai gostar de passar as tardes com Margueritte.
Tropa de elite 2
Tropa de Elite 2, de José Padilha, escrito por Bráulio Mantovani, baseado em argumento de José Padilha, Rodrigo Pimentel e Bráulio Mantovani. “O sistema é foda!” diz o capitão Nascimento na sequência final. Este desalento permanece na expressão dele do início ao fim. O justiceiro linha dura suporta a manipulação manipulando os outros, tenta ferir o sistema com as armas sutis da política ao invés das escopetas de grosso calibre. Mas o sistema é avassalador e auto-sustentável, o poder que é tirado de bandidos chinfrins, ressurge mais cruel e facínora em outros grupos de dominação. No parlamento, que é o retrato fiel da sociedade, por serem justamente eleitos livremente pelo povo, Nascimento aponta o dedo para os políticos: “Aqui, noventa por cento dos senhores devia estar na prisão”. Será que ele está apontando só para os políticos?
Rede social
Rede social, de David Fincher, escrito por Aaron Sorkin, baseado em livro de Ben Mezrich. Mark (Jesse Eiserberg) é um nerd, e isso o incomoda porque mesmo um nerd pode ser um gênio capaz de acertar todas as questões no vestibular. Mark é rejeitado na primeira cena, leva o fora de uma garota no bar Estudantes sedentos. Mesmo depois de se tornar o mais jovem bilionário da humanidade, como criador da rede social na internet, onde milhares de pessoas se relacionam, Mark encontra o perfil da garota que o rejeitou, e não consegue superar aquela que é a sua maior restrição — relacionar-se, seja no campo afetivo, pessoal ou profissional.
Jogo de poder
Jogo de poder, de Doug Liman, escrito por Jez Butterworth e John Henry Butterworth, baseado em livro de Joseph Wilson. Quando a mentira serve de justificativa para a guerra, a verdade se torna algo inconveniente. Liraz Charhi (Hindi Zahraa), irmã de um cientista nuclear iraquiano, pergunta à agente da CIA, Valeri Plame (Naomi Watts), “como se faz para mentir?” ao que ela responde: “Não esquecer a verdade e saber porque razão você mente”.
José e Pilar
José e Pilar, escrito e dirigido por Miguel Gonçalves Mendes. “Pilar, te encontro em outro sítio!”. Esta é a primeira e a última fala de Saramago. É uma despedida, mas também uma promessa de reencontro. “Na próxima encarnação quero vir árvore, criar raízes e ficar”. Numa conversa à sombra no quintal da casa, Saramago revela uma travessura, não tinha intenção de subir a Montanha Blanca, mas foi indo e, quando viu, já estava lá no topo do seu Everest. Pilar o repreende, isso quase lhe custa a vida, “se quiser aventura que faça um bordado”. Saramago sabe que a morte está se aproximando, apesar disso vive cada minuto com a vontade de quem tem um último livro para escrever. Ao lado de uma Pilar como esta, todo homem lamenta não ter mais de uma vida. “Pilar, te encontro em outro sítio!”.
Cisne negro
Cisne negro, de Darren Aronofsky, escrito por Andres Heinz e Mark Heyman, baseado em história de Andres Heinz. Nina (Natalie Portman) luta pelo papel principal no ambiente hostil e de exacerbada competição dos bastidores de uma grande companhia de dança. ”Eu simplesmente busco a perfeição”, Nina afirma pedindo uma chance. E o diretor Thomas (Vincent Cassel) responde: ”A perfeição está além da disciplina, está em se deixar levar”. Nina é o cisne branco, é a princesinha adulada pela mãe que projeta na filha a carreira que não teve. Nina tem de provar que também é o cisne negro. Quando quebra a caixa de música a criança dá lugar ao adulto e o cisne negro se liberta. Na estreia, as imponentes asas se abrem num gesto de volúpia e dominação. Mas essa perfeição que Nina almeja cobra um preço alto, a sua insanidade é reflexo de todos à volta, a inveja das colegas, a manipulação de Thomas e a mãe que vive a vida da filha. No espelho, a imagem é aterradora e também se quebra. Sob calorosos aplausos Nina alcança a perfeição.
O mágico
O mágico, escrito e dirigido por Sylvain Chomet, animação baseada em história de Jacques Tati. Mágico, ventríloquo, acrobata e palhaço estão deslocados, não se encaixam no show business, no mundo do entretenimento das massas. Sinal disso é a espera indefinida do mágico para entrar em cena enquanto a banda de rock se esgoela no seu bis interminável para uma platéia ensandecida. O pano desce e sobe várias vezes, numa delas surge o mágico com seu número batido, repetido, burocrático. O recinto vazio, a não ser por uma idosa cega e um menino desinteressado, dimensiona a sua decadência. Sempre o mesmo cartaz sai do tubo, é desenrolado e colocado no cantinho da vitrine do teatro, aceitando sua importância cada vez menor. Em meio ao declínio inexorável, a convivência com Alice é como um oásis de alegria num deserto de melancolia. O mágico se sacrifica dobrando turnos de trabalho pesado, ele sabe que é impossível continuar com a menina que está virando uma moça e aprende rápido a andar sobre os saltos altos. O mágico vê o tempo passar pela janela do trem, aposenta o coelho da cartola, e mostra que no fim sempre haverá uma criança como a que aparece na companhia da mãe na cabine do trem. Sempre haverá uma criança fascinada com a magia, mesmo que sejam truques batidos. O trem segue em frente, como a vida.
Além da vida
Além da vida, escrito por Peter Morgan e dirigido por Clint Eastwood. O vidente George (Matt Damon) está em conflito com seu dom premonitório que chama de maldição: “Saber tudo de uma pessoa pode não ser bom”. Para George, mais difícil é conectar-se com os vivos, como o irmão ganancioso e as pessoas que tentam lidar com seu luto ou sua culpa. Dos mortos, em contrapartida, George obtém uma recorrente mensagem positiva, reconciliadora, como a do irmão de Marcus (Frankie McLaren): “Cada um tem de seguir adiante, por sua conta”. Nesta história, a vida segue adiante, de algum modo melhor, equilibrada, prodigiosa. A morte não interrompe a jornada.
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