Um exercício de roteiro

Dos filmes bacanas que assisto, numa sala de cinema ou em casa, sempre me pego fazendo um exercício de roteiro - extrair a cena que revela a história do filme, a cena chave. É um exercício de concisão que compartilho com os amigos amantes de cinema e de roteiro, mais particularmente. Aqui não há adjetivos, descrições, muito menos o final da história. Você poderá, eventualmente, ouvir a voz dos personagens ao ler o trecho de uma fala ou outra. Assitindo ao filme você poderá concordar comigo ou não, se a cena que escolhi é mesmo a cena chave, afinal as boas histórias podem ser entendidas de diferentes maneiras. Todavia, uma coisa eu garanto: você terá mais da experiência cinematográfica, compreendendo melhor os enredos.

Acompanhe Cena chave e bom filme!

Meia-Noite em Paris

Meia-noite em Paris, escrito e dirigido por Woody Allen. Quem muito se volta para o passado não lida bem com o presente. Gil Penders (Owen Wilson) é um roteirista obscuro, leitor apaixonado e aspirante a escritor, um espectador entediado com o presente e extasiado como o passado, na sua visão idealizada dos grandes expoentes da literatura, pintura, música, cinema e fotografia. Salvador Dalí o chama para sentar-se à mesa e pergunta se ele já viu um rinoceronte. Sentam-se também o cineasta Buñuel e o fotógrafo Man Ray. Gil lhes fala sobre a sua situação complexa, noivo de uma garota no presente de 2010 e apaixonado por outra que acaba de conhecer no passado de 1920. Buñuel acha que a história daria um filme, Man Ray, uma bela foto, e Dalí, um lindo rinoceronte. Para os surrealistas, aquela situação é completamente real. Em seu delírio algo esquizofrênico, Gil busca aprovação e a obtém plenamente. Ele se dá bem com todos, é reconhecido como um igual aos que se tornaram ícones, chega a brincar com Buñuel, passando uma dica para um filme que o próprio não compreende bem, ou ainda não, pois Gil Penders, o obscuro roteirista aspirante a escritor ao contrário do grande cineasta espanhol, está condenado ao anonimato. No seu delírio de grandeza, seria sua a semente que germinaria para um clássico do Cinema. Mas Gil Penders está em conflito, não deixa ninguém ler seu romance de estreia que há anos vem escrevendo, até sua decisão de casar e viver nos EUA lhe parece incompatível, estando em Paris, no lugar em que tudo aconteceu, e está de certa forma preservado, como pode ser visto no início nas cenas de cartão-postal. Paris é uma cidade-cenário. O passado é assim, sempre tão melhor, bonito, agradável — a musa de Pablo Picasso, Adriane (Marion Cotillard) repete Gil, quer viver na Bella Époque, os anos 20 lhe parecem tão aborrecidos. Contudo, é no presente que as questões podem ser resolvidas, mesmo sendo tão incompleto, insatisfatório no todo, porque em partes, o presente pode até ser interessante, como a dona do antiquário e seus discos de Cole Porter. Gil Penders retorna ao presente, afinal, é nele que chove e deixa Paris ainda mais bela.